sexta-feira, 24 de julho de 2015

Sintoni[z]a sensorial em Assim Seja... O Divino High Tech – e a sua redeoplastia silenciosa do som.

Rosilene Cordeiro: Atriz-performeira amazônida, realizadora de cena entre a urb e os rios da grande floresta. Icoaraci-Belém/PA. #terreiroeomundo 

Ao que me parecia, de princípio, era que se referia apenas ao convite para uma vivencia sensorial ao estilo experimentação, como é da alçada investigativa do renomado diretor do espetáculo, Nando Lima.  Experimentação, talvez, sobre a mesma sensação que busco recuperar aqui, ou não, diante da oportunidade de re-ouvir a composição em áudio proposta como trilha sonora do espetáculo[1], agora na condição de escriba, ao escrever esses rabiscos de memória falha e pontual. Sonoridade sem a qual, ao meu ver, essa empreitada perde todo seu viço memorial.
Sinergia labiríntica em ondas sonoras girantes como círculos em aspiral decrescente para dentro, para o fundo do mínimo, entre rumores contro_versos de uma saliência sonora inquietante. Talvez (reforço, talvez, eu diria e você entenderá mais adiante porque tanto talvez!) em busca de uma camada de lógica que seja, isso como um certo alívio pós-espetáculo; desses que inconsciente se faz ao término das peças teatrais, quando findos a leitura da ficha técnica e dos agradecimentos pessoais e institucionais como é de praxe.
De outro modo e não longe disso, observo a ab_surda exigência milimétrica consciente, essa  da escrita padrão, patronal do pensamento humano!
Converso comigo: “Ora, não sabes que tudo que é ouvido não pode ser des/transcrito em letras? E que toda escrita se presta ao assentamento dela mesma, depondo infalivelmente em seu próprio favor enquanto linguagem? E ao mesmo em que se registra, nesse ato supremo, se priva, se nega outra possibilidade dentro desse escrito fechado sobre ela mesma, ao menos que se abra em outras linhas essa adesão consentida?”
No entanto, esse é um relato de ‘ao contrário’, falível logo na entrada, questionável em sua validade, acusador de toda propriedade absoluta disso que chamo ‘minhas impressões’. Vai de encontro a tudo que se titule uno, definidor, verdadeiro, por assim dizer. É preciso que eu declare essa tentativa de corte com as convenções canônicas do verbo escrito, para inviabilizar qualquer julgamento precipitado futuro por parte do meu leitor acerca do que eu escrevo. Porque escrever sobre sensações é demasiado grande para mim! Mas aqui me presto a isso, logo, me arrisco.
Era 28 de junho, 20h20’, em Belém do Pará, num espaço relativamente novo a mim “Da Tribu”, seu nome, localizado no centro da noite na cidade, no dia de Pedro, o São Pedro de junho, embadeirador de mastros, maestro de bandeirinhas coloridas no céu vazado, o que também se assistia no espaço anterior da sala que se emprestou ao espetáculo que tinha no elenco um duo de atores, já veteranos da cena artístico-teatral da cidade de Belém: Maurício Franco e Sandra Perlin.
Estive no último dia de audiência da segunda temporada do espetáculo teatral Assim Seja... O Divino HighTech (ou o inverso, isso em nada alterando-o, por certo! O nome é bastante inquisidor) um espetáculo sonoro, de muitas palavras mudas e um inaudível óbvio inebriante de falas interiores, sucedidos por óbitos de cenas aparentemente caçadoras umas das outras.
A experiência me conduziu por uma trilha gestual silencio - ruidosa sem fim. Dois atores em cena, dois amigos e cúmplices de longa jornada artística teatral (quiçá ancestre, talvez! Porque é clara para quem os conhece, o jogo previsível e brilhantemente  combinatório desses que já dividiram muitos palcos e inúmeras temporadas ao lado um do outro). Ante seu público, naquela noite ralo, porém comprometido, acomodado à boca de cena num espaço favoravelmente íntimo e intimamente violado pela assistência visual instaurado àquela hora de angústia e poesia.
Uma ladainha à São João? É isso que ouço ao longe? Rastros, sonoplastia sinistra a nos raptar para o fundo do ouvido... e quanto mais entramos no ouvido, tão mais o corpo se declina para a frente em busca de uma espécie de pão que alimente nossa fome curiosa pelo ‘que se diz’. Talvez resolvido por um simples barulho reconhecível de pacote de biscoitos...talvez!
Em alguns momentos sinto que a casa nos lê em cena, dentro de dentro, como livros revirados, como expectantes arredios tragados pra dentro da ‘casa’ e lá esmiuçados em partículas cada vez menores, sendo unicamente nutridos pela bolsa (objeto cenográfico) que não cessa em oferecimentos como preces vindas da alma. Visualmente, como cães famintos pelos olhos nos encontramos à beira exata do osso, do único e ampliado osso que se oferece a nós, a cena: de um que serve, de uma que é servida e de todos sedentos esperando o ‘próximo prato’.
E é sobre visualidades, audiências, sensações e interações reais e oníricas que se dão esses bailados vibrantes em ondas tecnomagnéticas sugestivas de fugas de dois atu_antes -ou três, ou muitos- a dividir os uivos de colina da hora ausente.
E onde estamos? Que lugar é esse? Quem são esses que dividem comigo a sede, a fome, o grito, o sussurro, a montanha e o fosso? “Nenhuma voz em meu auxílio!”
Um trabalho sonoro coletivo à medida que reinventa a palavra nas coisas, em que cria hipertextos narradores de um ‘onde’ não localizado, de um tempo preciso na imprecisão das inúmeras divagações [in]possíveis e inventadas para nos agarrar em algo palpável, que nos salve do abismo de nossas certezas.
Mas, onde estavam as opções que o release assinara que eu teria? E por ventura, não é um release, já, em si mesmo, um encaminhamento ‘a pedra no meio do caminho’, ‘um ter por onde ver’ o espetáculo? O mínimo imediato que guia a lupa do ‘comecemos por aqui’?
Só que eu não me quis ver! Eu recusei a lupa.
Muito provavelmente, nesse momento, o instrumento mais apropriado fosse o fone de ouvido! E era. Eu estava ali para ler o silencio da vista e interpretar os sons distantes e confusos da minha real_idade vencida pelo relógio cênico.
“Está doendo demais, a falta que você faz!”... (ao fundo, de fundo turvo, desajeitado e torto, confundindo-se propositalmente com outros ruídos e vozes) nesse longe-perto-dentro-fundo ouvia-me, a mim mesma, gritando em coro com o Roberto Carlos. Que doido! “Sua estupidez, não deixa ver que eu te amo! Meu bem, meu bem...”
Não, senhoras e senhoras, eu não estava enlouquecendo! Sentia-me de volta ao que parecia um lugar que vou chamar de casa, ao quarto, à sala, visitando a cozinha e alojando-me, confortavelmente, no depósito das minhas frustrações e aspirações guardadas. Uma casa, uma nave, um porão, o céu e o inferno que eu nunca vira, mas que me pertencia por completo. E eu estava ali, em cena, desmanchando-me em cada gesto dos atores, em cada respiração de cada espectador.
Poemácias em coro como cachoeira ou erva daninha se alinhando no vazio em que vez o outra me surpreendia suspensa e imóvel. E as leituras advindas propunham interpenetrar nossos abismos existenciais, isso para quem o quisesse fazê-lo. Eis-me, novamente, frente ao estado de platéia!  No alto do pico afunilado para o alto de minhas prementes indagações sem eco, rasgando o infernal divinizado de mais e mais especulações sem tréguas e o vazio. E a eminente queda logo mais adiante. E as vozes em ruídos e música se avolumavam: Todo o tempo é de poesia. Desde a arrumação do Caos à confusão da harmonia,  sussurrava- me o poeta Antonio Gedeão.
O texto versa sobre amores, fugas, dissabores, organicidade, rejeições, fluidos, reclusão, ranhuras, sombra e apelos sinestésicos emparedando-nos numa câmera em que o ar, imperceptível e totalmente sentido, virou aroma, tinha cor, pôde ser degustado na saliva escorregadia no rosto do ator.
Clássico e contemporâneo o tempo espetacular, nesse espetáculo, vai se esgarçando com o a sonoplastia proposta, se abrindo em gomos, potencialmente comestíveis e recusáveis, sob o esgarçamento de uma narrativa quente, adocicada pelo texto não oralizado.
Experimentalismo e técnica, maestria dual sob a batuta barulhenta de seu maestro conduzindo-os a uma liberdade onírica selam esta poética do tempo homilateral diante dele mesmo: ser diante do espelho cativando a própria sorte, desfolhando-a uma a uma como sua e a nossa sina re-tratadas pela arte.
Livro, óculos, chama, água, assento... assento, ruídos, risos e chama... passos, roupas (paramentos?), choro...recorrência musical, braços, pés, idas e vindas...e o som! Incomodativo, orgásmico e inquietante som.
O som em ondas... serpente dançante a celebrar o audível desconhecido. “Que cobra é essa que se enreda à própria cauda, introduzindo-se seu próprio veneno e deixando-se curar por ele? Que tal uma dança enquanto tudo se desfia? Uma viagem audiovisual onde tudo se acentua e o corpo nu da atriz se cola no tempo da nossa retina pendurando-nos na parede imagética do caos celeste que a sua pele nua nos impõe. Trama erótica, eu diria! Sim, porque o Maurício e a Sandra se conhecem muito bem para não precisarem omitir seus gestos em personalidades acomodadas e restritas ao qual alguns chamam ‘personagens’ e outros dirão ‘máscaras’. São sui generis, dão-se apenas. Sexualidades expostas, emoções digeridas a dois, vomitadas por outros.
Cuidados, não há senhoras e senhores, eu diria igualmente, sob toda sorte de errar do mesmo modo! Diante de mim o que li e leio são corpos em busca de si no outro, um no outro,  a reclamar o nosso para a carnificina gestual mais profunda do ato teatral. Estamos diante do banquete, onde degustamos e somos degustados! “E quanto idiotas vivem só sem ter amor?” o Roberto Carlos entra em som a assombrar-nos a dúvida maldita. E de novo a vida vem, em jato, inteirinha, numa única jogada, ejaculação na nossa cara que parece tudo conhecer. E aí eu me vejo a carne sobre a mesa...e eu sou o prato, e a servente.
O convite foi para um teatro na laje (acredito que uma alusão poética ao espaço cênico em uma laje, propriamente dita; um tetro que sobe uma escada, que se dá no andar de cima.)  E como dizer ‘desse átrio que entra e se afunda’ dentro dele? Que tira-nos a clareza da luz, a nitidez do som, a certeza de uma verdade sobre essas qualidades e coisas, do desejo de um sentimento leve ao de final do ato, sexual-teatral?
Masterização dos órgãos vitais em malha de tecidos finos, em lâminas quebradiças de imagens circunstanciais pueris, que vem e vão antes que as reconheçamos como nossas, e são! E assim, o todo vai se desnovelando, (re) afinando-se e diluindo-se em instantes de ilusão ótica que se vão como folhas ao vento, pelo sopro do tempo. Nada é o que parece. Fomos ordinariamente enganados! Ei-nos ao fim em que as escadas entregam-se aos atores e a penumbra nos enreda como peixes em curral.
“O que ficou de nós?” Fomos e voltamos. E ante nós a impiedosa crueza da infinitude do tempo É. E novamente o poema vem me assombrar:
“Em minha sepultura,  ó meu amor, não plantes
Nem cipreste, nem rosas; nem tristemente cantes.
Sê como a  erva dos túmulos. Que o orvalho umedece.
E se quiseres, lembra-te. Se quiseres, esquece.

E assim, Manuel Bandeira, outro poeta vem á mente e decide por mim. A minha única opção, de fato: lembrar-me para esquecer-te. De vez? E como? GAME OVER! THE END sem legendas.
E alguns prováveis outros fins. Retiro os fones. Vou-me em ondas.
OFF [...]


[1] Confira a trilha sonora do espetáculo disponível em https://soundcloud.com/nando-lima-22/dht

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Anarquia da arte.

Louise Bogéa: Servidora pública federal do Museu da UFPA.

A relação entre comédia e política marcou o espetáculo “No trono” do grupo “Os Varisteiros”, por meio da apresentação de um regime monárquico corrupto, representado por um rei carrasco do povo, sendo que o conflito da peça fora construído a partir de uma premente revolução contra o atual sistema. Desta forma, incluíram-se, durante o humor, grandes nomes políticos, e o público presente, por sua vez, atuou no enredo como o povo – fato responsável por até estender o cenário para além do palco.
Pretendeu-se, assim, realizar uma crítica sociopolítica e cultural, com ênfase em relação à gestão dos gastos públicos, por meio de uma boa atuação das personagens e de uma iluminação e sonoplastia de qualidade – esta comandada pelo “Juscelino Kubitschek”.
Ao final do espetáculo, comentou-se sobre as dificuldades enfrentadas pelos artistas em Belém – percebeu-se que o local da peça não pareceu adequado à arte teatral.
Há a necessidade de portas abertas – e baratas, de preferência –, os artistas, aos montes, instalam-se em qualquer lugar com tais características. Este ciclo, somado ao descaso do governo referente à profissão artística, resulta em uma desvalorização de si próprios enquanto profissionais; há, ainda, a pequena participação do público em geral – base de sustentação dos artistas –, estando a aceitação da arte enquanto cultura ainda longe de ser alcançada entre nós.
Ressalta-se que a falha de comunicação via artista-público e vice-versa causa o marasmo atual. E o marasmo político fora bem representado pelos detentores do poder na peça, porém, a causa do marasmo artístico vem do público e dos artistas. Foi como a nossa própria situação no espetáculo: participamos sentados. Mas seria possível uma reinvindicação artística? Quem a interessaria? No enredo proposto termina com a vitória do rei perante os democráticos.
A meu ver, o teatro não deixa de ser um meio de comunicação com um perfil conscientizador e civilizador – não diferente da própria crítica –, funções estas, essenciais, mas, frequentemente, substituídas por um humor não muito inteligente. E, durante o espetáculo foi, infortunadamente, o que aconteceu – talvez pela adaptação da obra original “O Palácio dos Urubus”, de Ricardo Meireles. Apesar de relacionar com a nossa realidade, o enredo da peça ainda retrata uma sociedade estranha, alheia, portanto, à nossa, fugindo da vida social local. Vale mencionar que o figurino das personagens interpretadas deixou a desejar.
Portanto, eu leiga, mas uma pessoa encantada pela arte faço um apelo para que, os com formação artística, revejam os resultados esperados por suas obras, que trabalhem em prol da transmissão de verdades e da construção de um futuro próspero à área. Fazer o público rir é bom, mas, quando é demais, não passa seriedade e vira uma brincadeira. Pois, estará, a dramaturgia, fadada à mediocridade de um humor deselegante?
 Pergunto-me onde estão os julgadores de uma arte inteligente e a censura das que sejam vazias e desvalorizadoras.                                                                                                         01.07.2015