quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Pequeno Príncipe Para Adultos

Andrey Gomes: Aluno do curso de extensão em crítica em teatro e dança-ETDUFPA

Resultado do Prêmio Myriam Muniz/2014, o Dirigível Coletivo de Teatro concretiza o projeto “Migração Dirigível” – turnê que contempla cinco regiões do país: Salvador (BA), Uberlândia (MG), Florianópolis (SC), Brasília (DF) e Rio Branco (AC) e Belém, promovendo, compartilhando, refletindo e fazendo o que eles sabem. E “O pequeno grande aviador e o planeta do invisível” é um bom exemplo do que eles sabem: teatro híbrido (literatura, dança, música, vídeo e artes plásticas) convergindo na possibilidade de linguagens; na verdade o espetáculo é uma síntese desse arcabouço e da investigação estética proposta pelo grupo.
Com atraso de meia hora, aguardei impaciente o espetáculo em noite escaldante; o grito de guerra (merda!) chamou atenção para o fundo do Casarão – vai começar a viagem. Viagem prenunciada pelo magnífico caminho recoberto pelo verde que nos leva aos holofotes do palco improvisado; simples aparência de uma cenografia lúdica onde os atores discutiam entre si e pareciam aguardar o público – engano, o espetáculo já começou.
Luciano Lira fez as recomendações: “por favor desliguem o celular pois não queremos turbulência”. Imediatamente os seis cubos metálicos transformaram-se em avião pilotado por Maycon Douglas, ou melhor, pelo “aviador” corrompido pela vida adulta. A partir daí estamos em algum lugar, ou lugar nenhum, só conhecido por quem se dispuser a abandonar o racionalismo decano como propôs Exupéry em seu livro; sim, pois embora seja adaptada, a encenação exige apelo ao faz-de-conta, em sintonia com o livro.
Revezando o protagonismo do pequeno príncipe, dentre os atores, Rodolpho Sanchez ficou com a maior parte das sequências, é com ele que compartilhamos a angústia de não compreender a infelicidade das rosas – aliás, uma única que nasceu em seu reino, que em vão ele cultiva e mima e diante disso resolve trilhar o caminho das respostas. Para Piaget, a criança apreende o mundo por um processo que implica pensar e agir sobre o mesmo, é nela que podemos vislumbrar o mistério da construção do conhecimento.
Quando chega ao planeta terra, nosso herói fica atônito com a quantidade e variedade de rosas, não apenas gineceu e androceu, mas híbridas e indefinidas em situação complexa, nesse caso a liberdade criativa da adaptação dialoga com o sex appeal contemporâneo, embora na obra literária exista esse aspecto – o espetáculo atinge a esfera social. Há momentos de pura mímica, como na sequência do aviador consertando seu veículo, e de improviso quando o público é convidado a “atuar”. A banda musical que reveste com sonoridade a narrativa, às vezes desafina (de propósito?) lembrando as apresentações mambembes do nordeste; a iluminação na performance “das estrelas” tem seu ponto alto; contudo, a jovem Ana Marceliano consegue equilíbrio dentre as possibilidades cênicas .
O fazer teatral ao se transformar num espaço de experimentação vale-se da tecnologia para minimizar as limitações inerentes a esses espaços; em “O pequeno grande aviador” ela é mínima e encanta. A criança entra por si só no mundo da representação, brinca, fazendo de conta – o que Freud chamou de onipotência infantil é na verdade a crença de poder mover o mundo com desejos, coisa que o Dirigível Coletivo conseguiu naquela noite, para adultos e crianças.


08 de Outubro de 2015