sexta-feira, 26 de maio de 2017

A Casa do Gruta – Por Marton Maués



Montagem teatral: A Casa do Rio, Grupo Gruta de Teatro.

Autor da crítica: Marton Maués, Ator e Diretor, Mestre e Doutor em Artes Cênicas, Fundador do grupo Palhaços Trovadores.   

São três mulheres, três irmãs. Apenas um rio. O rio atravessa a vida destas três mulheres, ligadas entre si como as contas de um colar de três contas. O rio é o fio, elas são as contas. Lágrimas de Nossa Senhora, colhidas ali no mato, na vazante do rio.

A Casa do Rio, do Grupo Gruta de Teatro, com texto de Adriano Barroso e direção de Henrique da Paz, com as atrizes Monalisa da Paz, Valéria Costa e Astréa Lucena, está repleta de atravessamentos: histórias que atravessam a história principal, vidas irmanadas que se atravessam, um rio que tudo atravessa. E um grupo que atravessa o tempo e que também me atravessa. O Gruta parece um rio, rio que dorme, mas não para nunca de correr, até que de repente faz ondas, ondas, ondas. Minha vida no teatro foi atravessada pelo Gruta, durante sete anos banhei-me em seu rio. Ali, sobretudo com Henrique da Paz, sonhei uma aventura e consolidei um aprendizado na arte da direção teatral. Henrique é a terceira e mais importante pessoa de uma trindade que me formou no teatro – antes dele vieram Luiz Otávio Barata e Cláudio Barradas. Meus mestres todos. Ele, Henrique da Paz, com certeza o mais importante, o mestre parceiro. Atravessamo-nos, líquidos.

Rio e ritos. Passagens. Atravessamentos. Bom ver o Gruta de volta, bom vê-lo voltar desta forma: o rio não para de correr, embora vezenquando adormeça . Volta em pororoca de emoção. As irmãs sonham-se ou são sonhadas? Rio-ritos narrativos.  A mais nova sonha as mais velhas, de quem recebe a herança da história, das crenças, cantos, contos, parlendas? Rios-ritos de passagem. Sonhamos nós, os espectadores, com aquelas três fiandeiras a tecer histórias, cantos e causos. Rio-ritos de encantamentos. Tecer-tecemos os fios da vida, das suas vidas, em contos, cantos. No canto da sala, em volta da mesa, enquanto os barcos passam e o rio as aparta da outra margem. Perdas, sonhos sangrados, idas e voltas, o rio.

Sempre o rio. A vontade de partir, largar tudo, atravessar aquelas águas que lhes atravessam.

O rio a nos atravessar, cercar nossa cidade, que cresceu nos separando dele. De costas para ele permanecemos. O rio recebe toda a sujeira da cidade levada pela chuva. A chuva cai forte e lava as dores da cidade. A chuva lava/leva as mulheres, purifica-as. A chuva é a água do rio que sobe aos céus e volta ao rio. A chuva é também o rio. Nossa água, nossa mágoa. M’água. O Grupo Gruta é um rio de resistência na maré negra, duradoura maré desgovernada. Chuva forte, toró da tarde. O Gruta é a casa, A Cabana, com força interior nas vigas do telhado, resistindo às grandes tempestades, às correntezas dos muitos rios. O Gruta é a casa das três irmãs, que abriga histórias, três vidas, muitas vidas naquelas três vidas, e resiste à força do rio. A casa que é também o rio, que atravessa a vida daquelas mulheres que nos atravessa também.

A casa é um sonho e um rio flutuando no espaço.

A casa é firme, há força interior nos esteios também. Mas a casa do Gruta também navega no rio que a (des)navega. A casa é vezenquando um barco, ora seguindo mansa correnteza, ora em turbulenta ondulação. Mas há firmeza no leme e a casa navega em Paz. Vozes, gestos, sons, nada se perde, nada é levado pela correnteza. A palavra é água que penetra nossos ouvidos, enche nossas cabeças de histórias, causa certa zoeira e escorre, escorre, escorre de volta ao rio. Vira chuva, vira rio, vira chuva e rio. A casa é do rio ou o rio é da casa?

Não há casa sem o rio, não há rio sem a casa.

Nada nos habita além da água. Corpos aquáticos, vidas presas às marés, aos ciclos. Uns seguem na Casa, outros lançam-se no rio. Casa e rio se irmanam. A casa segue flutuando: firme em suas vigas, líquida em suas histórias. Água e paixão. O Gruta tece sua história, longa história, com fios de água colhidos do rio em que a Casa navega. Navegar é preciso, tecido é precisão. Fio a fio, ponto a ponto a trama se expande, tapete aquoso, rio.

Navegamos: molhados de chuva, paixão e emoção.

26 de Maio de 2017



Ficha Técnica

Montagem teatral:

A Casa do Rio

Grupo Gruta de Teatro

Texto:

Adriano Barroso

Direção:

Henrique da Paz

Elenco:

Astréa Lucena, Monalisa da Paz e Waléria Costa

Cenário:

Boris Knez e Aldo Paz

Figurino:

Jeferson Cecim

Maquiagem:

Mariana Paz Barroso

Cabelos:

Germana Chalu

Iluminação:

Sonia Lopes

Assistente de iluminação:

John Rente.

Produção:

Belle Paiva Tati Brito


segunda-feira, 22 de maio de 2017

Jogos en(cena)ação – Por Marta Teixeira

Montagem Teatral: Falando de flores.
Marta Teixeira: Atriz; graduanda de Licenciatura em Teatro UFPA; Participante do Minicurso de Crítica Teatral: “O que pode uma crítica teatral?”

Com base no que a história relata sobre a época da ditadura militar no Brasil Renan Coelho escreveu Falando Sobre Flores – apresentação que tem no elenco o próprio escritor e a acadêmica em Licenciatura em Teatro Demi Araújo.
Confesso que pensei que seria mais uma encenação falando da ditadura militar no país, mas fiquei feliz por ter pensado errado. A montagem utiliza jogos teatrais que a tornam mais dinâmica. Um desses jogos são os fatos ditos pelos atuantes para a plateia, mas não pela simples maneira de relatar e sim pela controversa deles – um é civil e participante do movimento contra a ditadura e o outro é um militar que trabalha no Departamento de Ordem Política e Social (D.O.P.S).
A peça tem início com uma música do rádio de época e logo em seguida ouvimos a notícia sobre os atos institucionais e suas censuras – a preocupação do civil ao pensar que tudo estava perdido, mas também o sentimento de esperança. A entrada inesperada do militar procurando Carlos Figueiredo, o agredindo fisicamente e o levando para o D.O.P.S e é nesse momento que começa o jogo emocional e o exercício da respiração.
A cada cena havia uma agressão física diferente, o militar não ia parar até o civil falar onde estava o chinês que foi sequestrado; no final de cada cena um dos atuantes comentava sobre seu lado na história – o militar dizia que o “regime” no Brasil foi quase um “mar de rosas” e o civil dizia como era a ditadura em Belém/PA e sobre a imprudência de militares que ocasionou a morte de pessoas inocentes/crianças.
Logo após cada agressão física, o militar dirigia a palavra a Carlos Figueiredo e era nesses momentos que eu percebia a falta de domínio do exercício de respiração. A atuante ficava ofegante todas as vezes que isso acontecia, é claro que não é fácil trabalhar com o emocional desse nível, mas o perceptível era que nesses períodos apenas o jogo emocional era presente, porque só depois de um tempo ela conseguia conciliar o jogo emocional com a respiração.
No final, Carlos Figueiredo já havia perdido sua esposa, seu filho e seus amigos mas mesmo tendo sofrido todos os tipos de agressão, principalmente o conhecido pau de arara, nunca perdeu a esperança de que a situação do país iria melhorar e acreditou nisto até o último momento de sua vida. O civil foi morto pelo militar na cela em que ficou desde que foi preso – nesse momento os atuantes, no último instante da cena final, não conseguiram segurar muito o emocional e deixaram a tristeza aparecer; mesmo assim, foi uma encenação bem sucedida.
22 de Maio de 2017
Montagem teatral:
Falando Sobre Flores
Direção:
Karine Jansen
Dramaturgia:
Renan Coelho
Atores:
Renan Coelho e Demi Araújo
Iluminação:
Luciana Porto
Sonoplastia:
Jairo dos Anjos
Aderecista:
João Calado



Amarga mente nossa – Por Afonso Gallindo

Montagem teatral: Falando Sobre Flores
Autor da Crítica: Afonso Gallindo – Publicitário, Produtor, Documentarista e Jornalista. Participante do Minicurso de crítica teatral “O que pode uma crítica teatral?”

Amarga em minha memória recordar de 69
Recordar a repressão, a morte, a alienação
Viceradosna fala dos atores, ao alcance da mão
O terror assola a mente novamente

Diante do ali representado
Revisei o nosso presente
Muitos temores surgiram, outros se confirmaram
Os detalhes do golpe pairam em minha mente

Na penumbra da cela-quarto
Nas janelas cobertas, sem uma brecha de luz
A Casa da Atriz se transformou em minha casa
E o medo acendeu em minha’lma

A pressão das duas verdades oprimiram
E meu espirito que ainda sonhava
Tendia para o oprimido
Reconhecendo no opressor, de frases decoradas, as atuais

O som da sirene de antes, me levou as ruas de hoje
Temi por meus sonhos.
Temi por nós.
Porém, persisto na esperança
Na certeza de qual das verdades é a nossa.

22 de Maio de 2017.
Montagem teatral:
Falando Sobre Flores
Direção:
Karine Jansen
Dramaturgia:
Renan Coelho
Atores:
Renan Coelho e Demi Araújo
Iluminação:
Luciana Porto
Sonoplastia:
Jairo dos Anjos
Aderecista:
João Calado
  


Em poucas linhas – Por Maria Christina

Montagem teatral: Falando sobre Flores  
Maria Christina: Participante do Minicurso de crítica teatral “O que pode uma crítica teatral?”

A ditadura militar imposta ao povo brasileiro a partir dos 1960' e que inaugurou mais fortemente o período de corrupção, desmando e impunidade a que ora estamos submetidos, sombreando os Poderes que a rigor deveriam descentralizar a gestão pública, e representar a vontade popular, se fez com o rapto de direitos e subestimando a coragem de homens e mulheres que não se furtaram a doar suas vidas à causa da liberdade.
Aspectos subterrâneos da repressão a que qualquer pessoa, de qualquer idade, estava submetida naquele período, foram abordados no texto da peça Falando Sobre Flores, em curta temporada no Espaço Casa da Atriz, na qual os protagonistas não economizaram talento para alcançar credibilidade e veracidade nas atuações de tirar o fôlego de quem assistiu.
Não restam dúvidas que a sugestão da produção da peça para que os espectadores se acomodassem no chão foi prévia e genialmente pensada de forma a que algum desconforto afligisse fisicamente o público durante a performance, levando-os a uma identificação com o personagem aprisionado e submetido a torturas físicas e psicológicas, de maneira ainda a experimentar a sensação de confinamento e impedimento. 
O teatro, e a arte em geral, têm​ uma função singular porque convidam à reflexão. As pessoas são chamadas a experimentar, sentir, provar e cheirar um pouco de realidade, ou ficção, mas sempre mantendo uma espécie de cordão pelo qual se liga e/ou se desliga da encenação que quase sempre ocorre a uma certa distância. A proximidade da cena naquele ambiente era propícia à interação e à participação, quase como se estivéssemos no ensaio sem audiência. 
Interessante a proposição do diálogo, em que prisioneiro e algoz apresentam suas teses, reforçadas pela interpretação da experiência histórica de resultados do período de acordo com a projeção e pensamento político de cada lado, quando os dois soldados defendem sua ideologia e a pátria – antes de defender suas próprias vidas –, num confronto de ideais em que a inteligência é colocada à prova, e demonstra que é preciso muito mais para alcançar uma visão de alteridade, sentimento em falta nestes tempos de muita tensão e incertezas. 
22 de Maio de 2017
Ficha Técnica
Montagem teatral:
Falando Sobre Flores
Direção:
Karine Jansen
Dramaturgia:
Renan Coelho
Atores:
Renan Coelho e Demi Araújo
Iluminação:
Luciana Porto
Sonoplastia:
Jairo dos Anjos
Aderecista:
João Calado






Nunca Diga Eu Te Amo – Por Nanda Lima

Como é que se diz Eu Te Amo, montagem teatral com trechos de músicas da banda Legião Urbana.
Autora da crítica: Nanda Lima, Psicóloga e internacionalista. Participante do Minicurso “O que pode uma crítica teatral?”

A tarde é um descanso para a estação da Primavera, ela que com suas flores sempre traz calma e harmonia ao final do dia. Ainda que o vento do litoral traga uma brisa de esquecimento, a onda do mar sempre faz lembrar o Amor.  Esse de faces coradas e sorriso estarrecedor que insiste em brincar na areia e fazer moradia onde não deve. Perdida em pensamentos, a Primavera se distrai e um cavalo marinho, transeunte romântico intrépido, faz-lhe uma pergunta: “Como é que se diz Eu Te Amo?”. Ora mas veja só, que pergunta mais descabida, ela diria, se assim pensasse, porém faz tempo que a Primavera conversa com o Mar, e ele mais do que ninguém conhece o Amor.
O Amor é como um ouro que alguém te pede como prova de Amizade, e quem dera a Primavera saber pelo menos uma vez que a tolice é acreditar que ainda somos como éramos antigamente. A resposta ainda assim foi: “Quem me dera explicar aquilo que ninguém consegue entender”. Mesmo quando o cavalo marinho se foi com o Mar, para a Primavera ficou a tristeza de um Deus morto por quem não tinha nada a dizer.
Faltam palavras, faltam sorrisos pra simpatizar com o tempo que erra constantemente, e sufoca palavras cristalizadas com a dor de uma saudade. A Primavera sabia, tão bela quanto aquela tarde de domingo, que tudo o que é demais nunca é o bastante, e a cada hora que passa envelhecemos dez semanas. E enquanto a Primavera divaga sobre ele, o Amor sentou-se a seu lado, primeiro tímido e calmo, mirando o horizonte. O Amor é assim, sempre chega quando se menos espera.
Ele tinha escutado as reclamações dela, como ele era um menino tolo e voluntarioso, que só sabia do que não gostava, indeciso e fanático. A Primavera viu uma lágrima nascer no canto do seu olhar, o Amor respondeu: “Sempre precisei de um pouco de atenção. Tu não sabes a dor de fazer com que o mundo saiba seu nome, estar em tudo e mesmo assim ninguém lhe diz ao menos obrigado”. Ele esticou a mão para tocar as madeixas coloridas da Primavera, ela rejeitou o toque.
E gritou avassaladora para ele: “Tire suas mãos de mim, eu não pertenço a você!”, sorridente, e sem perder o ar risonho, o Amor explicou que ele não queria dominá-la, somente fazê-la entender. E que ela não se preocupasse, alguém em sua companhia jamais estava sozinho. A Primavera perguntou se ele sabia onde estava, e que ele podia até duvidar, mas ela julgava que ele entendia a Dor dela. Antes que ele pudesse argumentar, ela afirmou que estava tarde e que deveria ir antes da Lua ficar mais alta. O Amor pediu para eles ficarem acordados a noite inteira: “Será que nada vai acontecer? Será que é tudo isso em vão?”.
A Primavera falou sobre os monstros das Noites em claro da Solidão e do Egoísmo, o Amor argumentou que eles eram monstros da própria criação deles. Ela questionou a ele para quê deveria ficar, e quem iria protegê-la dos erros a mais dele. Todavia o Amor era mesmo senhor de tudo, e com uma eloquência digna de um diplomata em campo de guerra, sua verborragia tomou conta da praia e a Primavera imaginou se ainda era cedo e ela deveria ficar um pouco mais.
Em poucas palavras o Amor explicou que ele só queria estar ali, sempre ao lado dela. “Eu sou a razão para tudo, a Vida existe porque eu existo, Terra, Fogo, Ar, até mesmo o Tempo é contado a partir de mim. Eu não sou perfeito. Sei disso, eu erro, despedaço-me e me refaço quantas vezes for necessário. Trago a Saudade e crio casas distantes e tão perto, tão dentro. Eu sou a Cura para todos os vícios. Eles não sabem como me chamar, não sabem dizer as minhas três palavras e a culpa é minha? A matéria, o dinheiro, os problemas afastam as pessoas de mim, e ainda assim elas me culpam por tudo, perguntam aonde eu estou. Mas eu sempre estou dentro de cada uma delas”.
“Pergunte-me novamente: como é que se diz eu te amo. E quem disse que tem que haver razão para as coisas do Coração, e quem disse que não tem razão para as coisas do Coração?”. A Primavera olhou para o relógio, eram quase duas e ela iria se ferrar, porém não se importou em continuar ali com o Amor, que parecia tão feliz em lhe falar. O Amor se chegou mais perto, contente por olhar a menina que tinha tinta no cabelo, a vontade de ficar ali crescia, e por algum motivo ele queria impressioná-la, e enquanto ela lhe falava coisas sobre a Água, o Céu, a Terra e o Mar, ele lhe falava sobre a Dor, o Tempo, além de frivolidades, novelas e jogos de videogame e paixões corriqueiras.
E quem irá dizer que não existe razão nas coisas feitas pelo Coração? Jamais seria novamente a Primavera, ela pensou. Por mais que odiemos o amor, e jamais tenhamos dito Eu Te amo, não há como expulsar o Amor, seus olhos são hipnotizantes e sua presença é ressonante.
Depois dali, ninguém sabe exatamente o que aconteceu, não é nada fácil de entender a relação do Amor com ninguém. Como os nossos pais, o Amor nos cria com nome de santo e quer para nós o melhor, o mais bonito. “Como se é que se diz Eu Te Amo” são perguntas de tempo perdido. A última coisa que ficou para a Primavera antes da chegada do Inverno foram as palavras nada fleumáticas do Amor: “É preciso amar as pessoas como se não houvesse o Amanhã, porque se você parar pra pensar na verdade não há”. Nunca diga Eu Te amo, ame, ame com toda força, ame com todo o seu coração.
22 de Maio de 2017.

Montagem Teatral
Como é que se diz Eu Te Amo
Montagem teatral com trechos de músicas da banda Legião Urbana.
Elenco:
DANIEL: Leonardo Corrêa
CLARISSE: Damise Vanessah
MAURICIO: Bruno Estanizio
MARIANE: Glenda Michelle
PEDRO: Alex Vilar
EDUARDO: Ruan Carlos Brito
MÔNICA: Fabíola Martins
JOÃO SANTO CRISTO: Danilo Monteiro
MARIA LÚCIA: Tainah Leite
JOHNNY: Edson Oliveira
LEILA: Aida Ranner
PROF RENATO: Rafitah
JEREMIAS: Patrick Santana
Direção:
Glenda Michele e Leonardo Corrêa
Musicista:
Wanessa Solli
Assessor de imprensa:
 Leandro Oliveira
Iluminação:
Patricia Grigoletto
Dramaturgia:
Leonardo Corrêa

quinta-feira, 18 de maio de 2017

Transver o mundo – Por Alana Lima

Resposta reflexiva à crítica “Olho, logo imagino”, de Leonel Ferreira.
Alana Lima – Palhaça, atriz, contadora de histórias, educadora.
Lembro-me da primeira vez em que assisti uma sessão de contação de histórias: Marluce Araújo contava sobre um menino que perdeu os olhos brincando e quando os colocou de volta, estavam ao contrário, fazendo-o ver o mundo por dentro, transvendo. Alguns anos depois disso, já na posição de atriz, educadora e contadora de histórias, fui questionada sobre contação de histórias ser ou não teatro. Tive uma resposta imediata, mas a discussão repercutiu nos corredores e nas críticas teatrais que seguiram. Penso que categorizar a arte é decisão arriscada, embora seja preciso, nas condições atuais, discutir sobre a profissionalização e os lugares de quem faz arte.
Tendo lido a crítica “Olho, logo imagino” escrita por Leonel Ferreira, artista de teatro e sociólogo, a respeito da mesma contação que me ensinou a transver o mundo, o debate volta à tona e sinto-me impelida a levar adiante a discussão, propondo reflexões aos profissionais de ambas as áreas e mesmo aos curiosos sobre o tema. Daniel Leite, escritor e poeta paraense, disse em uma de suas obras mais significativas que “desde o início até o para sempre viver é contar histórias”. A assertiva se encaixa bem com muito do que é dito nas oficinas e formações para contadores, pois se sabe que todo ser humano, desde que o mundo é mundo, conta histórias. Entretanto, em que momento a arte de contar histórias tornou-se restrita a determinados detentores de técnicas e saberes nomeados contadores?
A arte de contar histórias é uma tradição milenar que, com o tempo, foi sendo em grande parte abandonada em detrimento das práticas de leitura e, atualmente, das tecnologias. Nesse contexto ressurge a figura do contador de histórias, trazida especialmente por todos aqueles que cresceram ouvindo os avós, pais ou vizinhos contarem. Com essa figura vem também novas formas de contar, adaptadas ao tempo e aos novos ouvintes, fazendo com que a contação de história ganhe um caráter de ofício, não só de hábito cultural. Assim, denomina-se “arte” àquilo que fora costume de porta de casa, de beira de rio, de chão de sala ou de qualquer lugar onde houvesse um “griot”. As transformações a partir daí foram constantes, surgem as oficinas e curso para contadores de histórias, percebe-se a necessidade de uma técnica e a importância de reconhecer a contação como um ofício educativo, artístico e profissional.
Diz-se muito que todo ator é um contador de histórias, mas nem todo contador é um ator. É certo que as técnicas de corpo e voz aproximam os dois de tal forma que é possível confundí-los. É certo também que, desde os primórdios, os espetáculos teatrais partem de uma história, no sentido mais amplo e simples do termo: aquela que tem início, meio e fim. No entanto, a forma de se contar uma história pode variar quando se pensa no teatro.
O contador é, antes de tudo, um ser apaixonado pela história, pela leitura, pelo poder da palavra. É aquele que se põe a serviço da palavra, como ponte entre a história a ser contada e o ouvinte. O contador é livre para ser quem é, ou ser quem quiser ser dentro da história que conta. Ele pode estar neutro ou caracterizado, pode encenar ou ler em voz alta... contanto que o objetivo seja “ensinar” a transver o mundo, por meio da palavra. De tudo que foi dito até aqui, poderíamos ainda considerar que o teatro se encaixa perfeitamente, visto que é possível a quebra ou não da quarta parede, é possível neutralidade e a base do teatro também é a palavra, o texto. E então se abre novamente o impasse, pois é cada vez mais difícil distinguir duas artes tão próximas.
Dito isto, partindo da crítica e das reflexões propostas por Leonel, proponho também uma nova reflexão, a respeito de um tópico que muito interessa às duas áreas: o ator é, de fato, um contador de histórias? Quando em cena, o objetivo maior da sua arte é contar uma história ao público? Ou nós, como atores, como artistas, ainda estamos muito preocupados com a nossa própria imagem e com a construção de personagem da obra que deixamos de lado o poder que a obra em si, já possui?
São perguntas que talvez não tenham respostas a curto ou médio prazo. Pondero, como Leonel, que esse debate parece frágil por ainda permanecer no âmbito da categorização, enquanto precisamos cada vez mais discutir e refletir sobre a valorização e profissionalização dos artistas de ambas as áreas, reconhecendo as técnicas e os espaços que cada um tem alcançado. Pego emprestado o pensamento e a luta de Augusto Boal, minha grande referência como atriz, contadora e educadora, para encerrar as proposições aqui trazidas: “tenho sincero respeito por aqueles artistas que dedicam suas vidas exclusivamente à sua arte – é seu direito ou condição! –, mas prefiro aqueles que dedicam sua arte à vida”. (BOAL, 2013)  
Que possamos sempre transver o mundo, como o menino que Marluce Araújo, como atriz e contadora, nos apresentou.  
18 de Maio de 2017.

Referencia:
BOAL, Augusto. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. São Paulo: Cosac Naify, 2013.


terça-feira, 16 de maio de 2017

Crime e Castigo – Por Ramon Oliveira.


Montagem teatral: Lúgubre
Autor da crítica: Ramon Oliveira. Participante do mini curso “O que pode uma crítica teatral?”

Imagine que você possa ser um padre de frente com um carrasco no momento de sua confissão de pecado. Será que saberíamos lidar com tamanho privilégio? Com certeza! O carrasco teria medo da gente. Já parou para pensar que somos cruéis? Se tivéssemos que admitir a quantidade de maldade que somos capazes de imaginar teríamos que aposentar a profissão de carrasco e criar uma nova. E quem não gosta de ouvir os “podres” de um (des)conhecido, e melhor ainda, fazer essa pessoa acreditar que depois disso ela cumpriu ou deu um passo considerável para o perdão com Deus. Acho que irei virar padre! Tomar chá com mel, ver um mar de gente aos meus pés, usar joias; que vida... Mas, não serei padre não. Até onde eu sei, padre não pode ter cópulas com suor, gemido e orgasmo!!! Pois, é! Não serei padre.
Já pensou você virar refém da sua própria cobiça? Sacanagem, né? Mas eu vi isso! Vi uma costureira cobrar absurdamente caro por um trabalho. E sabe o pior de tudo? Depois que ela recebeu o pagamento, não aguentou o peso da moeda. Eu faria uma forcinha para levar essa grana para casa de uma vez só. Acho que muita moeda iria cair pela rua, mas não iria fazer falta, ou talvez, sim. Sinceramente, às vezes quero tanto, que dois braços não seriam nunca suficientes para carregar tudo o que quero, e nunca “parei pra pensar” no contrário, viver apenas com o suficiente. Nossa, que escroto eu sou! Não penso nem no meu próximo. Pelo menos tenho consciência das minhas inescrupulosas atitudes. Falo isso, mas sempre que vejo uma situação onde alguma pessoa passa por uma dificuldade desumana, me dá uma certa tristeza e impotência, mas... Life goeson.
E agora?! Essa é boa! Imagine que você tenha quatro escravos sexuais? Pois, é, eu vi essa cena e fiquei pensando se aquela mulher realmente estava satisfeita com tudo aquilo. Eu, particularmente, acredito que não. Acho que ela sempre queria mais, e ludibriava seus servos para que eles pudessem se “envenenar” com o suco que saia dos seus pequenos lábios para desejarem, então, avidamente ser o ESCOLHIDO da rainha. Essa “poligamia” sexual hoje em dia seria repudiada se fosse apresentado mais abertamente. Mas quem nunca teve um fetiche de imaginar que terá pessoas a tua disposição para cópulas infinitas, com o objetivo de ter o prazer incessante. É... acho que apesar do ser humano buscar sempre o prazer, acredito que quando ele (prazer) estiver de modo infinito na vida, talvez a gente deseje sentir falta da angústia, daquela dificuldade em conseguir algo. Dizem que a felicidade é pouco inspiradora, mas será que isso vale para o prazer também? Bom, não sei. Nunca vivi um prazer incessante, nem tristeza infinita. Se você conhecer alguém, me avise, beleza?
Ai que sociedadezinha repugnante! A todo momento quer opinar e viver a vida do outro. Parece que na vida dessas pessoas não acontece nada de interessante a ponto de se intrometerem demasiadamente na vida “dos otro”. De tanta perturbação, chega a ser chato conviver ou ser vizinho de uma dessas pessoas intrometidas. Como existem pessoas assim no Brasil. E o pior nem é isso, pois além da intromissão da pessoa, ela ainda é uma escrota preconceituosa. Falam por aí que temos que compreender os mais velhos pois eram de outra época, mas tem gente nova com um pensamento tão arcaico quanto de uma pessoa nascida na década de 50. Imagina você sacrificar um filho pois ele nasceu “doente”, por ser homossexual. O conservadorismo dessa família é tão forte que eles tiveram coragem de matar um filho. Apesar, dessa relação familiar ser considerada por alguns um fato social, é um tanto quanto complicado digerir essa informação de um filicídio. Acredito que o homem retrocede um pouco a cada atitude dessa, e não digo uma atitude vital como essa, falo neste momento dos preconceitos presentes onde vivemos, porque se formos falar de um filicídio, não sobraria ninguém para tecer um relato. Eu já teria condenado essa sociedade. Sei que não tenho direito nenhum de condenar alguém, mas às vezes a vontade é grande, faria e não pensaria duas vezes. É foda, tanta gente querendo ter um filho, mas não pode, e outros matando por tão pouco. Sinto pena.
Juro que ri sozinho lembrando dessa cena que vi. Foi um tapa na cara dos crentes da igreja universal do reino de deus. Acho, inclusive, que uma crente que assistia a peça, se retirou do teatro Claudio Barradas, naquela noite. Mas, voltemos ao texto. Eu gostei desse humor escrachado. Gostei muito, pois eu em alguns momentos, faço alguns comentários escrachados sobre a própria universal, amém irmão? Os caras fazem tudo pela grana, e o que mais me entristece é que existe milhares de pessoas que ainda acreditam na palavra do pastor. Acho que a situação dessas pessoas deve ser tão difícil que quando alguém dá um voto de esperança, nós damos tudo ou quase tudo o que temos na expectativa de mudar de vida, e infelizmente ainda acreditamos na palavra de um oportunista. Mas, “[...] na sexta vai para igreja comungar com a sua família, voz sagrada, Jesus Cristo é o senhor [...]”[1]. Amém, irmão? Vamos dar um aleluia para Deus?! Aleluiaaa!
O que mais me chama atenção, depois de uma semana que havia assistido à peça Lúgubre, é minha curiosidade em querer saber se as pessoas ainda estão pensando no que viram, ou se cada parcela da sociedade que foi encenada ali pensa nas atitudes que tomam, atitudes que em determinados momentos geram revoltas, punição, mas que às vezes sem perceber, atitudes que “salvam”, atitudes que parecem ascender uma luz no final do túnel. Mas como será que essas pessoas vivem? Como se vive sabendo que se está usando da fragilidade alheia, sabendo que já matou seu filho, sabendo que escraviza por prazer. Será que a vida segue numa boa? Bom, não será eu quem vai dizer o que é certo, pois, com certeza muitos também discordam e até condenam o que penso. Mas, felizmente, eu penso!
15 de Maio de 2017.


Montagem Teatral:
Lúgubre
Cia Paraense de Potoqueiros
Elenco:
Alice Bandeira, Allyster Fagundes, Charles Roosevelt, Giscele Damasceno, Jadylson de Araújo, Juan Silva, Leoci Medeiros, Nilton Cézar e Valéria Lima.
Dramaturgia:
Breno Monteiro e Lauro Sousa
Direção de Visualidade:
Lauro Sousa
Figurino:
Lauro Sousa e Lucas Belo
Cenografia:
Breno Monteiro, Lauro Sousa e Lucas Belo
Iluminação:
Breno Monteiro
Maquiagem:
Nilton Cézar
Trilha Sonora:
Lauro Sousa
Operação de Sonoplastia:
Erllon Viegas
Direção Coreográfica:
Juan Silva
Preparação Corporal:
Leoci Medeiros
Mídias Sociais:
Nilton Cézar
Assessoria de Imprensa:
Allyster Fagundes e Nilton Cézar
Fotografia:
Allyster Fagundes
Direção:
Breno Monteiro
Apoio:
Casarão Viramundo, LB Assessoria e Cerimonial, Teatro Universitário Cláudio Barradas e Ná Figueredo.










[1] Música “Quem é você?”, banda Detonautas Roque Clube.