sexta-feira, 9 de junho de 2017

Elogio à divina loucura do palco – Por Edson Fernando

Montagem Teatral: “Parto” / BAI – Bando de Atores Independentes.
Autor da crítica: Edson Fernando. Ator e diretor teatral. Coordenador do projeto de Extensão TRIBUNA DO CRETINO.

Parto de uma premissa ontológica: é preciso ter TESÃO pra ser ator de teatro. Falo evidentemente da sensação libidinosa que nos ata irremediavelmente a lascividade dionisíaca. Mas, obviamente, isso não basta para definir e expressar tudo o que cabe na ontologia deste ser perigoso que carrega a alcunha de ATOR. E isso porque nosso TESÃO ultrapassa, e muito, os limites da voraz concupiscência extática de Baco – deliciamo-nos com ela sem nos limitarmos, no entanto, ao seu círculo de desejos carnais. Nosso TESÃO é uma espécie de jogo paradoxal e vicioso no qual quanto mais se perde, mais se tem a dar. E nos damos inteiramente, sem reservas, pudores e/ou odores morais a cada novo encontro com a incauta testemunha que cada vez menos comparece ao nosso território sagrado. Embevecidos, gritamos: “– Dane-se a manada! A andorinha solitária me aquece o verão!”.  Meia verdade. O problema – ou talvez o que nos mantêm saudáveis – é que não operamos pelo desejo da verdade, não operamos pela clareza objetiva, não operamos por princípios universais e muito menos por enunciados lógicos. Somos kamikazes o suficiente a ponto de ignorarmos a bilheteria quase vazia, o déficit no borderô fazendo a balança financeira pender pro lado do nosso próprio bolso. Talvez seja mesmo impossível explicar com palavras sobre a origem, desenvolvimento e duração desta força ontológica estranha, denominada aqui de TESÃO. Força que nos arrebata com violência e nos impeli a expressar nossos pensamentos em forma de arte, em forma de teatro. Temos coisas a dizer ao mundo exatamente porque temos o maior TESÃO no mundo, nas pessoas, no inexplicável sentido de nossa existência. Nada consegue refrear nosso TESÃO na vida e, por isso mesmo, somos criaturas perigosas sempre prestes a implodir as sofisticadas certezas dos cultos senhores das etiquetas. Os mais elevados princípios e regras se vêm ameaçados quando, cara a cara com a testemunha, nos lançamos em nosso ofício de tingir o mundo com as cores vibrantes do nosso TESÃO. Este ato, aparentemente pueril, deixa os sentinelas em estado de atenção perpétua, pois sabem que nossa arte se estabelece por contágio. Desejamos contaminar o mundo com nosso TESÃO insolente e atrevido – e que se dane os celibatários com suas restrições de libido pela vida. E assim, despretensiosos, mas de modo intenso, derramamos sobre o mundo nossos fluidos sexuais na esperança de converter a masturbação compulsória, que estamos submetidos ultimamente, em pequenas orgias pelo mundo a fora. “– Goze!”. É o conselho do ATOR que reconheço como sagrado. 
Este conselho e o próprio elogio descrito acima me foram revelados pelo Parto de Mauricio Franco. Com o corpo repleto de suor – do início ao fim da apresentação – ele me faz pensar, tantas vezes, no ofício que abracei pra minha vida há mais de vinte anos – desde os tempos que fazia teatro no salão paroquial da igreja de Santa Teresinha, no bairro do Jurunas, na década de 90. Com vitalidade de dar inveja a qualquer jovem iniciante de 15 anos de idade, Mauricio entrega-se sem reticências para o deleite das poucas testemunhas presentes no seu ato de intenso TESÃO. É impossível não ficar com vontade de estar ali, ao seu lado, para desfrutar daquele vazio mágico onde tudo se transforma com apenas um simples gesto. A kundalini lasciva iniciada no quintal invade a sala e me contagia. Perco as palavras que saem de sua boca para me encontrar tão somente em sua energia vibrante, nos gestos tautológicos iniciais que me revelam aquilo que já sei: estamos irremediavelmente atados na mesma trama. Inevitável, então, não pensar no sentido daquilo tudo, pra ele e para mim; no sentido de continuar fazendo teatro a despeito de todas as adversidades que insistem em nos fazer acreditar que não vale à pena. E é neste momento que consigo perceber nele o que me faz continuar fazendo teatro: TESÃO. E, neste momento, vou tendo a certeza de que as histórias contadas por ele são apenas a tangente dos acontecimentos que ali me interessam. Persigo, então, o seu TESÃO em cada cena, em cada virada de acontecimento; persigo as gotas de suor que cada vez mais se multiplicam no seu corpo me fazendo transpirar por contágio. Os bonecos dançam, os livros dançam, as bebidinhas dançam num frenesi crescente até que o corte cirúrgico e, aparentemente, autobiográfico me faz novamente pensar no quanto minha vida (nossas vidas, a dos atores) se vê imbricada na e pela arte de fazer teatro. É como se houvesse – e no meu caso acredito que há – uma zona de interseção entre o TESÃO da vida e o TESÃO de fazer teatro. Mas ele também me faz ver a inexorabilidade da dor, elemento que de alguma forma se torna um convite para exaltação à vida. O berro na janela é o prenuncio de sua partida. Berra para que os ouvidos dos transeuntes sejam tocados por sua verdade de brinquedo. Ele partiu. Eu Parto.   
OBS: Permito-me falar hermeticamente para meus pares. E que se dane quem não faz teatro!!!  
9 de Junho de 2017.

FICHA TÉCNICA:
BAI – Bando de Atores Independentes
Elenco:
Maurício Franco
Trilha:
Maércio Monteiro
Iluminação:
Sônia Lopes.
Colaboração:
Camila Paz
Operação de som:
Juliana Bentes
Preparação Corporal e Direção:

Paulo César Jr

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