domingo, 18 de junho de 2017

Palavra – Por Diego Maia da Costa



Montagem Teatral: Parto / BAI – Bando de Atores Independentes.        
Autor da crítica: Diego Maia da Costa: graduando em História na Universidade Federal do Pará e aluno do minicurso de crítica teatral “O que pode uma crítica teatral?”

Algumas razões certamente foram determinantes à minha ida ao longínquo Casarão do Boneco naquela sexta-feira de nuvens mascaradas. Dentre elas (as razões), destaco uma: o impressionante poder da palavra como instrumento de incitação. Decerto, diante dessa circunstância, sinto que devo voltar alguns dias para melhor explicar minha hegemônica motivação.
Era o penúltimo encontro da turma 2017.1 do projeto de extensão “Tribuna do Cretino”. Cheguei cedo aos aposentos da ETDUFPA e lá pude debater a sós com o atencioso mestre algumas questões referentes aos limites da crítica em teatro, ao passo que esperávamos a chegada dos outros membros da nossa “liga de Delos”. Mesmo com a ausência de alguns, decidimos iniciar a reunião. Ela seguiu o curso habitual das demais: composta substancialmente pelas viagens teoréticas do nosso saudoso regente, e pelas intervenções pontuais de cada um dos seus aprendizes. Absolutamente tudo se encaminhava ao tradicional desfecho, até um dos artistas integrantes de nossa nobre turma desvelar informações acerca de um espetáculo chamado “Parto”.
Admito, que de início, dei pouca importância – talvez pela iminência da fome remota que já deportava meu imaginário ao engordurado fogão de casa, insaciável por descobrir a apetitosa refeição noturna. Mas, logo acabei contagiado pela empolgação do nosso grande ator ao divulgar-nos a montagem que ansiava por assistir; todavia, ao indagá-lo sobre o horário e local da peça, veio a enorme decepção: ela era praticamente inviável à um temeroso morador de Ananindeua.
Cabisbaixo, preferi nem tocar mais no assunto. Já havia acatado as limitações que a violência desenfreada me obrigara diariamente a manter. Porém, o vigoroso artista, antes de se despedir, proferiu a frase que me fez radicalmente mudar de ideia: “– O espetáculo deve ser visceral!”
Aquela palavra (visceral), transformou em obsessão o meu nível de curiosidade. Todos os empecilhos impostos pela violência gritante da nossa metrópole foram reduzidos a pó pela persuasão velada daquela frase. A prerrogativa adicional daquele artista e neófito crítico me instigou a desafiar os perigos da noite e a comparecer ao provocante espetáculo.
Quatro dias depois, estava eu à rua dezesseis de novembro em aguardo ao início da peça. O dia parcialmente ensolarado dera margem à noite quente com alguns sintomas de futura chuva viral. Os espectadores, gradualmente iam chegando ao local de encenação, a maior parte retardatários – talvez já sapientes do desrespeito compulsório da maioria dos espetáculos paraenses: o atraso.
Depois de razoável espera, fomos então convidados a adentrar ao aconchegante e empoeirado Casarão do Boneco. Na entrada, a primeira surpresa: Não havia cadeiras; apenas um sofá com a aparência de alguns milhões de ácaros. Fugindo, então, daqueles temíveis artrópodes – os quais sou alérgico – me sentei, seguindo a expressiva massa, ao chão do rústico espaço. 
 No corredor, eis que emergia uma luz rubra, de intensidade incômoda, seguida por esparros tortuosos. Todos os espectadores acomodados em seus centímetros de chão não resistiram à instintiva curiosidade e se levantaram para conferir o início da peça realizado externamente ao espaço inicial. Acomodação, aliás, é um sentimento ambiguamente atropelado pela proposta do monólogo. O público é constantemente fadado a peregrinar, experimentar, interagir na ação cênica. Ao espectador ortodoxo, ou seja, aquele que espera se deparar com uma atraente fileira de cadeiras, com um palco monumental à sua vista e com a fronteira artista/público cega e definidamente obedecida, há, talvez, certa retração. Contudo, a maestria com que o artista envolveu sua plateia naquela sexta-feira, não impeliu, aparentemente, quaisquer tipos de relutância.
Seguindo o enredo, desbravamos os perímetros frontais do cândido Casarão sob guia do uno e talentoso protagonista. Ele narrava distintas desventuras de fácil assimilação, todavia, associá-las entre si ou à uma hipotética proposição geral, demandou-me certo esforço mental. Ainda assim, encarrego os demais espectadores à estimularem suas criatividades interpretativas.
Já caminhando ao fim, após a sessão de liberalismo alcoólico, o incógnito personagem questiona quem o prestigia. Ele pergunta, usando-se de outras palavras, o porquê de estarmos ali. É obvio que tinha em mente minha resposta principal – a mesma de meados desse texto. Entretanto, seria mesmo que uma única frase ou palavra fora imprescindivelmente determinante à minha ida àquele lugar tão distante da acalentosa sombra materna? Não sei mais. Tudo que sei, por instante, é o dever da reflexão.
Pois afinal, já não é hora de partir?
17 de junho de 2017

Ficha Técnica
Montagem Teatral:
Parto
Realização:
Bando de Atores independentes
Elenco:
Maurício Franco
Trilha Sonora:
Maércio Monteiro
Iluminação:
Sônia Lopes
Colaboração:
Camila Paz
Operação de Som:
Juliana Bentes
Preparação Corporal e Direção:
Paulo César Jr.

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