terça-feira, 20 de junho de 2017

Que assim seja – Por Maria Christina

Instalação Performática: O Velório de Dona Pereira
Autora da Crítica: Maria Christina. Participante do mini curso “O que pode uma crítica teatral?”

Uma aura de mistério sempre envolve a divulgação da peça O Velório de Dona Pereira e o simples ato de adquirir os ingressos requer delicada atenção e adesão. A participação do espectador já nasce antes mesmo do dia da atuação e tudo é mantido em segredo até quase o momento do espetáculo começar. 
Aquela noite parecia envolta em bruma e, chegando ao Casarão do Boneco, outros interessados se aproximavam e trocavam entre si algumas impressões sobre inusitado intróito, tendo em vista uma certa figura coberta por véu negro à beira da rua, praticamente imóvel, ou a mesinha com xícaras e café ao lado do muro de uma casa qualquer, e nós que nos olhávamos e perguntávamos afinal o que era tudo aquilo.
No horário marcado a performance deu início e a interrogação ainda identificava o grupo. 
Uma criança brincando de bicicleta nos convidou a elaborar o olhar e investigar seus movimentos circulares, que se ampliavam a cada volta. O som parecia traçar um limite invisível com a via próxima e aos poucos fomos introduzidos num jogo à meia luz.
Da floresta surgiram seres muito estranhos, macabros mesmo, e com eles mais sons e murmúrios, assim como lamentos, gritos, rangeres de dentes e de portas, e com passos lentos e inseguros caminhamos entre a mata que parecia muito densa e que de tão densa não deixava identificar se a lua acompanhava o estranho cortejo a se dirigir não se sabe bem aonde exatamente, mas mesmo às cegas ou tateando finas árvores, por vezes, seguia em frente.
De repente o corpo, de repente o insólito do momento final, de repente o susto da expressão, e os seres nos rodeando, criando outros limites e interditos, indicando o centro da sala. Nós nos entreolhando, querendo auxílio diante do cenário inesperado. Eles reclamavam o reconhecimento e a participação, e diante de certa hesitação, nos olhavam nos olhos, e apontavam aquele ser.
Aos poucos fomos descobrindo, como eu também, que nem todos conheciam a defunta, cujas histórias e feitos vinham de muito que se comentava e se dizia aqui, ali e acolá, e sim, era merecedora de estranha homenagem, atraindo a atenção de tanta gente diferente que se prestou a atravessar a noite escura, para ouvir cantos e lamentos ora sim ora não (não se teve certeza mesmo estando presente).
O clima ainda era estranho, mas aos poucos nos familiarizamos com o ritual e fomos nos deixando envolver no circuito proposto e aproveitando para olhar melhor o entorno, os anfitriões, e começamos então a confraternizar com os conhecidos, todos ainda se refazendo do singular encontro. Era a primeira vez para nós.
A noite cantou novamente, nos pôs em romaria, nos ensinou a estrofe e nos pediu pra entoar em uníssono, palavras de tristeza e sorte. Seguimos fiéis e nos encontramos, afinal, sozinhos e livres, como na chegada.
Junho de 2017

FICHA TÉCNICA:
Intervenção performática:
O Velório de Dona Pereira
In Bust Teatro com Bonecos e Produtores Criativos
Elenco/Técnica:
Adriana Cruz, Andréa Rocha, Aníbal Pacha,
Cincinato Marques Jr, Cristina Costa, Fafá Sobrinho
Lucas Alberto, Nanan Falcão, Tereza Ojú,
Thiago Ferradaes, Paulo Ricardo Nascimento e
Vandiléa Foro
Realização:
In Bust Teatro com Bonecos, Produtores Criativos e Coletivo Casarão do Boneco.




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