quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

O curioso caso do Sr. Sisnando – Por Luka Paranoid

Montagem Teatral: “A outra irmã”
Montagem: Teatro de Apartamento.
Autor da crítica: Luka Paranoid – Flâneur malquisto nas cercanias da República Democrática de Rilexine.  
 Não sou fã de literatura de suspense. Na verdade tive, até hoje, pouco contato com os diversos estilos que atravessam esse gênero literário. Mas tive a sorte de participar de um “encontro de cavalheiros” promovido recentemente pelo Sr. Sisnando, distinto cavalheiro da casta dos artífices das letras, “– Gente esquisita e pouco confiável!”, exclamava minha avó, torcendo o nariz e arremessando, com fúria, “Agatha” contra a parede. A fúria que vovó, Dudu Paranoid, nutria por autores (as) de romances em geral, se justificava simplesmente por ciúmes. É que meu avô, Edu Paranoid, exímio peixeiro do mercado central da ilha de Mosqueiro, era fascinado por romances policiais e dedicava suas horas de folga vespertinas à leitura de sua autora preferida: Agatha Christie. 
No ventilado pátio da casa de madeira, sempre após a sesta, vovô, sentado em sua cadeira de balanço, de palha trançada, exibia sua incrível habilidade para folhear as páginas de Agatha equilibrando, com mestria, o seu Marlboro com uma das mãos. Cada tragada – no pensamento de vovó – representava um osculo a afagar a face daquela maldita Christie, tamanho era o prazer e a entrega de vovô na leitura. Mesmo com a fervorosa torcida, em segredo, de Vó Dudu para que o livro entrasse em combustão, o desejável acidente nunca ocorreu. Indignada com a atenção que ele investia por horas a fio, todos os dias, àquela desconhecida de nome estranho para os padrões da Bucólica, restava-lhe, então, a vingança física atentada contra os exemplares – quando vovô não estava por perto, evidentemente.    
Pois bem, o Sr. Sisnando faz parte desta casta de “gente esquisita” esconjurada por vó Dudu. Ciúmes a parte, sempre suspeitei das pessoas que carregam no nome o sufixo “nando” – e estão ai o “Collor de Melo”, o “Henrique Cardoso” e o “Beira-Mar” para confirmar minhas suspeitas. E o Sr. Sisnando não foge a regra: é um cidadão esquisito que vem se dedicando a produção de uma dramaturgia que agrega suspense, melodrama, trama policial e comédia nonsense, dentre outras coisas estranhas. Mas ele vai além e para aumentar sua fama – o que deixaria os cabelos de vó Dudu em pé – ele também se dedica a escrever contos, romance e críticas de filmes. Aliás, o próprio Sr. Sisnando reconhece a influência que o cinema de Hollywood exerce em sua obra.
E mesmo com todos esses elementos postos, me deixei seduzir pela ideia de comparecer ao “encontro de cavalheiros” – confesso que me deixo seduzir facilmente por pessoas que fogem das convenções – promovido por este distinto criador de ficções mirabolantes, chamado Sr. Sisnando.
Ardiloso, como um bom autor de suspense, ele criou logo um nome pomposo para o evento: “Projeto Leituras Dramáticas: Edgar Allan Poe”. Imaginei que o encontro poderia ser oportunidade para dirimir os preconceitos que herdei de vó Dudu contra essa gente que escreve histórias estranhas e assustadoras. E por mais incrível que possa parecer, a leitura dramática dos contos “O corvo” e “O coração delator”, de Allan Poe, e “O corvo de inverno”, de Lenmark Andrade, me proporcionou a experiência de visitar os lugares soturnos desses autores, com certa dose de prazer. O que se passou de mais relevante para o propósito do que pretendo dizer aqui, no entanto, foi a fala de um dos convidados acerca da diferença entre Suspense e Terror. Se não estou enganado o Sr. Andrei Simões explicou-nos didaticamente: o terror assusta pelo que mostra, enquanto no suspense o medo é cultivado excitando nossa imaginação a conceber imagens que estão apenas sugeridas nas obras – sejam elas obras literárias, teatrais ou cinematográficas. Mas não confiem categoricamente no que escrevo aqui, pois minha memória é péssima para apreender informações que não são da minha seara. O importante é que a distinção entre os estilos existe e o Sr. Sisnando tem conhecimento e propriedade sobre o assunto, fato que torna suas obras ainda mais estrambólicas – e isso me agrada pelo exercício do delírio criativo.   
E se por um lado, no entanto, herdei os preconceitos de vó Dudu voltados aos autores (as) da literatura de suspense e trama policial, por outro também herdei a aversão que vô Edu nutria pela teledramaturgia nacional. Vovô ficava indignado com aquela sessão interminável de telenovelas que iniciavam com a novela das seis, seguia para a das sete e finalizava com a das oito, interrompidas apenas pela pavorosa imagem do Cid Moreira apresentando o Jornal Nacional – entre a sessão das sete e das oito; na década de oitenta, e boa parte da década de noventa, a novela das oito começava por volta das 20:30, inexistindo sessão das nove. Durante essa overdose de teledrama era vó Dudu que se rejubilava diante do aparelho de televisão de válvulas. Ela ficava tão absorvida com os dramas mostrados em cada novela que suspirava e dava opiniões fervorosas para resolução dos conflitos das suas personagens preferidas; comentários sobre os mais diversos aspectos da trama eram realizados antes, durante e depois das sessões; e não importava se vovó estivesse sozinha em frente à televisão, os comentários eram feitos com o mesmo entusiasmo como se debatesse num palanque eleitoral. Era um verdadeiro inferno na vida do vovô que era muito mais afeito as intrigas sofisticadas – em sua opinião – dos livros que devorava. E como ele não podia arremessar a televisão contra a parede, restava-lhe o resmungo rabugento e os comentários depreciativos durante as sessões de telenovela – fato que invariavelmente terminava com os dois indo pro quarto dormir emburrados, um com o outro.           
É a partir desta pequena referência de educação estética às avessas que recebi de meus avós que me permito falar do Curioso caso do Sr. Sisnando. Sim, daquele sujeito que já teci algumas considerações relevantes para exposição do caso. Pois bem, o Sr. Sisnando convidou-me para sua mais nova empreitada artística denominada A outra irmã, obra teatral escrita e dirigida pelo Sr. Sisnando – vejam como ele é abusado. O nome da montagem já me provocou calafrios e imediatamente me veio à mente aquelas chamadas das telenovelas de antigamente:
Alguém igual a você pode cruzar o seu caminho? Transformar a sua vida? Paulo, Dono da imobiliária D’ela Santa, pai de Marília e Pedro Ernesto; dois fortes aliados contra um inimigo comum: a madrasta Laura, irmã de João Silvério. Uma mulher que usa do charme e inteligência para conseguir o que quer. Agostinho, pai de Paulo, o velhinho simpático que luta para continuar na casa onde viveu um grande amor, o abrigo onde recebe os amigos. A encantadora e rebelde Glorinha da abolição e o alegre pessoal do edifício Sobre as Ondas. Dona Liúba, a fofoqueira incorrigível. Dodo e Dede, as sonhadoras musas da praia. Demerval Parente, o sindico moralista. Edwiges e Genésio, o casal que abala as estruturas do prédio. Cordeiro de Deus, o velho professor de ginástica. Índia do Brasil e...o Outro.[1]               

“– Putz!”. Foi a primeira exclamação que me veio a cabeça quando tomei conhecimento do nome da peça do Sr. Sisnando, suspeitando que passaria momentos desagradáveis durante a apresentação da obra, algo semelhante à aporrinhação que vô Edu sentia com as novelas de vó Dudu. Meu fascínio por coisas esquisitas, no entanto, falou mais alto e me levou até o casarão onde o delírio criativo do Sr. Sisnando se realizaria.
A primeira impressão do lugar é ambígua: agradável e impessoal. Refiro-me a sala de espera. Acreditava que a obra se passaria ali mesmo, mas o amontoado de gente que veio conferir os desvarios artísticos do Sr. Sisnando logo me fez mudar de ideia: gente em pé, por todos os lados, uma lousa na parede com preços do cardápio da casa e cadeias espalhadas no pequeno cômodo. “– O Sr. Sisnando não seria porra-louca o suficiente para colocar sua obra num espaço caótico desse. Uma sala secreta logo haveria de aparecer!”, pensei com meus botões – embora estivesse trajando uma linda camiseta estilo indiano, sem nenhum abotoador. E com um atraso de cerca de quinze minutos, fomos conduzidos para o grande salão onde finalmente seria possível conferir a obra.
O salão ocupa toda a largura do casarão, mas tem pouca profundidade. Ao fundo e à esquerda uma generosa porta mista, de madeira e vidro, permite a visualização de uma área externa, com uma cadeira de balanço, e mais ao fundo o quintal arborizado. Ao fundo e à direita uma cortina vermelha oculta toda a parede, do teto ao chão. Na parede lateral à direita um quadro gigante com a fotografia de uma madame de nariz em pé. “– Uma versão atualizada de Odete Roitman.”, imaginei desalentando e cada vez mais me sentindo como o vó Edu. No espaço há ainda alguns móveis e objetos que compõem a cenografia, remetendo-nos a década de 50 do século passado. Assim que adentro neste cômodo do casarão recebo de presente a brisa fresca de uma noite aconchegante e nublada. A sensação de mato molhado vindo do quintal me enleva e me faz sentir na cozinha de meus avós.
A obra teatral começa, mas curiosamente a primeira cena prescinde de atores – pelo menos da presença física deles. O Sr. Sisnando abre sua obra teatral com uma, bem produzida, cena em vídeo. Desloca assim, com um golpe certeiro, toda nossa percepção que, até então, estava voltada naturalmente para a energia e o calor do ato teatral. Imaginem se lhes convidassem para tomar um café com tapioca, mas lhe servissem um delicioso milk shake de bacuri. Tive esta sensação. No vídeo, uma espécie de cena bônus às avessas criando em mim uma série de dúvidas e expectativas: quem são as duas personagens que dialogam na cena em vídeo? Qual a relação que mantém entre si? Quais partes do diálogo são mais relevantes para o entendimento da trama que virá? Sob que circunstâncias se passaram os acontecimentos comentados na cena? Quem são as outras personagens mencionadas durante o diálogo?
É o suficiente para me enredar na trama estabelecida pela mente astuta do Sr. Sisnando. Segundo minha percepção ingênua de espectador de cinema o vídeo arrola, curiosamente, os elementos do terror e do suspense: suscita-me assombro pelo que mostra – e principalmente como mostra – e estimula minha imaginação pelo que não revela, isto é, as diversas referências aos acontecimentos que serão retratados na peça.  
A parte literalmente “teatral” da obra começa logo em seguida e à medida que as personagens vão surgindo, e a fábula se desenvolve, vai me dando um desespero, pois são tantos os nomes esquisitos – Elizabeth Wilcox, Thompson, Susan, Juliete, Laura Clark, Blithe Spirit dentre outros que esqueci ou não sei sequer grafar – e diversos acontecimentos apresentados em perspectivas diferentes, com inúmeras reviravoltas, que mesmo tendo uma mente dionisíaca entrei em parafuso. “– Deveria ter lido aqueles malditos livros de vovô ou assistido as famigeradas novelas de vovó”, suspirei com sofreguidão me sentindo culpado por não conseguir acompanhar a avalanche de peripécias presentes na obra do Sr. Sisnando. Mas seria eu o responsável por não conseguir acompanhar o ritmo da obra ou haveriam questões a serem observadas e ajustadas na própria obra?
“– O que move o mundo são as perguntas!”. Essa é uma tirada de vó Dudu. Todas as vezes que se via enredada por questões que ela mesma elaborava, mas não sabia responder, a matriarca da família Paranoid se saia com essa. Recorro a sua sabedoria popular, por um motivo simples: também não sei responder as questões que elaborei sobre a obra do Sr. Sissnando. Na verdade além de não saber, não me interessa chegar à conclusão alguma, pois penso que em arte as respostas não sejam exatas – isso quando conseguimos chegar a alguma conclusão em/sobre arte. Hoje compreendo que o desejo de vó Dudu ao arrolar essa tirada era simplesmente provocar o debate. Sábia vó Dudu.
Livre desses compromissos teoréticos-conclusivos – coisa inútil e chata demais para uma conversa em/sobre arte – me sinto a vontade para especular acerca de pelo menos três variáveis relevantes para debater sobre a questão levantada: Sr. Sisnando-Dramaturgo, Sr. Sisnando-Diretor e/ou Sr. Sisnando-Encenador. A qual destas três variáveis repousaria a responsabilidade maior por eu não conseguir acompanhar as diversas reviravoltas que a obra apresenta? “– Éeeeegua! Acho que vô Edu teria orgulho de seu neto após esta formulação”, exclamei a mim mesmo diante da tela do computador.
A primeira delas é mais difícil de ser averiguada, pois não disponho do texto em mãos para uma análise cuidadosa e atenta aos elementos constitutivos da fábula; também não é possível saber em que medida o Sr. Sisnando-Encenador foi fiel ao Sr. Sisnando-Dramaturgo. Conta-se “à boca pequena” que o Sr. Sisnando-Encenador tem pouco zelo com os próprios textos que escreve – por isso que disse anteriormente que os sujeitos que levam “nando” no nome são pessoas de alta periculosidade.
Contudo, do que pude perceber a partir da apresentação, o Sr. Sisnando-Dramaturgo arquiteta sua obra com – ou flertando com – elementos característicos do melodrama: situações inverossímeis ou pouco verossímeis, mas claramente traçadas. Por outro lado também elabora sua obra observando a sequência mínima necessária para uma boa comédia: fases de equilíbrio, desequilíbrio, novo equilíbrio, fases estas distribuídas numa série de peripécias cômicas e chistes. Ora se o Sr. Sisnando-Dramaturgo observa e opera bem com esses dois elementos destacados, a suspeita do excesso de reviravolta a quase todo instante provocando a sensação de ritmo acelerado da obra – para minha percepção – recai imediatamente sobre a pessoa do Sr. Sisnando-Encenador, pois é função da encenação, segundo pensamento de Adolphe Appia, transpor a escrita dramática do texto para uma escrita cênica. “– Teeeeeera-te!”, exclamaria vô Edu em comemoração efusivamente por este raciocínio magnífico de seu dileto neto.
Ora, se concordarmos com o pensamento de Appia o Sr. Sisnando-Encenador leva grande vantagem, pois sendo ele próprio o dramaturgo, conhece com propriedade todos os meandros da urdidura do seu texto. É neste ponto, no entanto, que o caso do Sr. Sisnando vai ficando mais curioso e interessante, pois direção e encenação parecem imiscuir-se irremediavelmente a ponto deu perder completamente a noção de quem está no comando: se o Sr. Sisnando-Encenador deseja a qualquer custo garantir os efeitos literários da obra transposta para o palco numa encenação de ritmo alucinante ou se é o Sr. Sisnando-Diretor que imprime um ritmo delirante na obra?
Diante do imbróglio que criei acredito que vó Dudu já teria perdido a paciência e teria atirado esse texto às chamas de seu fogão a lenha, enquanto que vó Edu dedicaria toda sua atenção para acompanhar os desdobramentos da trama. Sigamos com ele para averiguar se encontraremos alguma pista consistente que ajude a elucidar o caso.
Passando, então, a observar o que considero ser a desenvoltura do Sr. Sisnando-Diretor, algo também curioso ocorre: o jogo entre os atuantes se estabelece com ótima fluência ao longo de toda a obra; os diálogos são desenvolvidos naturalmente num jogo de ação e reação orgânico de causar inveja nos discípulos americanos de Stanislávski. Mérito do próprio elenco, sem dúvida, mas sob a supervisão direta – a meu ver – do Sr. Sisnando-Diretor que não permite a intrusão de gags, mensura com maestria o efeito de exagero e excesso de sentimentos no estilo de interpretação dos atuantes – pelo menos em boa parte da peça – e dimensiona com exatidão os momentos chaves onde os atuantes podem prolongar os gestos para acentuar e deixar entrever um pouco mais do que o texto e as circunstâncias permitem. Obviamente que ao destacar estes elementos estou colocando ênfase na direção de cena e de atuantes, mas também me parece óbvio que o Sr. Sisnando-Diretor ao realizar este plano de direção opera seguindo parâmetros pautados na sua proposta de encenação. A questão talvez seja perceber em que medida a proposta de encenação já se encontra arraigada a dramaturgia, de modo que ela não permita planos de fuga ou rotas alternativas para sua realização. Suspeito que vô Edu, a esta altura, já teria ido em busca de uma nova carteira de Marlboro, tamanha a dimensão do rolo que causei com minhas especulações.
Concentrarei minha atenção, então, no trabalho de composição e atuação dos papeis desenvolvido pelo elenco da obra para, assim, tentar perceber mais pistas do modus operandi da proposta de trabalho sem me preocupar se o elemento propulsor parte do Sr. Sisnando-Dramaturgo ou do Sr. Sisnando-Encenador.  
A outra irmãreúne um elenco mesclando figuras tarimbadas do teatro de nossa cidade, com atuantes mais jovens e de menos experiência de palco – corre boatos de que o Sr. Sisnando investiu alguns milhares de reais para contratar o elenco estrelado e cheio de exigências excêntricas. Como já destaquei anteriormente, o jogo de ação e reação entre o elenco é de um primor admirável. Os papeis me parecem delineados sob a tutela do melodramático com tendência aos contornos burlescos e caricatos. Percebo uma coesão em torno destes princípios, com o elenco muito a vontade deliciando-se e exercitando ludicamente essa faceta do universo cômico. Há, no entanto, duas atuações que destoam um pouco desses princípios, não por se afastarem deles, mas por se deterem demais somente nos aspectos caricatos. Me refiro as atuações do Sr. Leonardo e da Sra. Olinda. Começarei falando um pouco da atuação desta última.    
A Sra. Olinda interpreta o papel de Elizabeth Wilcox. Trata-se da figura que tem a imagem fotográfica afixada no quadro, na parede lateral direita. Desde sua primeira aparição ela nos brinda com o perfil da genuína vilã da novela das oito – vó Dudu entraria em êxtase acompanhando sua performance. Do inicio ao fim da peça seus trejeitos e as “caras e bocas” ampliam a dimensão da figura caricata formatando a madame de nariz em pé, prepotente e arrogante – como disse antes: uma versão atualizada de Odete Roitman. Se apresentando – aparentemente – como a grande vilã da trama, a atuação da Sra. Olinda me parece estabelecer o eixo estético sobre o qual a obra se sustenta. Desse modo, seus contornos pra lá de caricatos se justificam no plano dramatúrgico e de encenação – permanece a dúvida sobre qual dos dois é o elemento propulsor. É curioso e importante notar, no entanto, que a Sra. Olinda não se limita aos clichês formais da vilã; ela consegue trabalhar outros caracteres cênicos oferecendo bons momentos de nuances gestuais e textuais, demonstrando que a ênfase na caricatura é uma necessidade da obra e não uma limitação da atuante.
O mesmo não ocorre com a atuação do Sr. Leonardo que tem desafio duplo na obra, pois interpreta dois papeis: Juliete e Laura Clark. Ambas são criadas com um tom de voz e ritmo melódicos muito semelhantes, com trejeitos que embora primem pela delicadeza não soam naturais, mas sim o pastiche das interpretações de teledramaturgia nacional. Certamente vó Dudu torceria por ela e seria capaz de tecer seus comentários fervorosos durante a apresentação da peça. Diferentemente do caso da Sra. Olinda, o tom caricato e burlesco na interpretação do Sr. Leonardo, embora encontre lugar na encenação proposta, aprisiona o atuante dentro dos limites da própria caricatura oferecendo-lhe pouca margem para desenvolver outros caracteres cênicos em ambas as personagens. O Sr. Leonardo fica tão a mercê dos limites da caricatura que na parte final da peça ficou quase impossível deu perceber qual das duas personagens estava em cena, pois o atuante investe pouco nos caracteres motivacionais, psicológicos e/ou morais dos dois papeis.
O princípio estruturante da obra apresenta toda sua vitalidade no ato final, momento em que a curva dramática derradeira da obra parece acender o sinal verde para que todos os atuantes e seus papeis se entreguem com afinco ao tom burlesco e, então, somos agraciados com um festival de efeitos melodramáticos em tom assumidamente caricato: prolongamentos dos gestos, elevação do volume de voz, exagero nas expressões faciais, música incidental – não tenho certeza se realmente há musica, mas sai com a sensação de que pelo menos nas cenas finais ela existe.    
Finalizo assim, o curioso caso do Sr. Sisnando, sem saber qual das facetas deste misterioso e perigoso artífice das letras, qual faceta predomina nesta obra intitulada “A outra irmã”: Dramaturgo, Encenador ou Diretor? Mas como não sou cavalheiro que teme colocar a língua na guilhotina, arrisco um palpite: um híbrido de encenação-dramaturgia no qual há uma retroalimentação mútua, seja no momento de realizar a obra no papel, seja no momento de realizar a obra no palco.
Por ora chega. Deixo minhas saudações a equipe da peça e em particular ao Sr. Sisnando, com o desejo de nos encontrarmos em breve para brindarmos com uma taça de vinho. Sem gelo!
20 de dezembro de 2017.  


Montagem Teatral:
A Outra Irmã
Teatro de Apartamento
Elenco:
Olinda Charone, Zê Charone, Leonardo Moraes, Leoci Medeiros
Participações especiais:
Pauli Banhos Sonia Alão e Flávio Ramos
Direção:
Saulo A. Sisnando
Dramaturgia:
Saulo A. Sisnando
Criação de Luz:
Patrícia Gondim
Operação de luz:
Luiza de Marillac
Cenário:
Patrícia Gondim
Consultoria de Maquiagem:
Danielle Cascaes
Consultoria de Figurinos:
Grazi Ribeiro
Operação de Som:
Gisele Guedes
Direção de fotografia (filmagens)
Alexandre Baena
Edição de vídeos (Filmagens)
Saulo A. Sisnando
Assessoria de Imprensa:
Edyr Augusto Proença
Produção:
Grupo Cuíra e Teatro de Apartamento

[1] Chamada da novela O Outro (1987) disponível em https://www.youtube.com/watch?v=x5qLU5UripA

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